Saúde mental e meio ambiente
Freud explica nº 39
A agressividade nº 21
A origem primeva do superego e do sentimento de culpa
(…) Mas, se o sentimento humano de culpa remonta à morte do pai primevo, trata-se, afinal de contas, de um caso de ‘remorso’. Por ventura não devemos supor que [nessa época] uma consciência e um sentimento de culpa, como pressupomos, já existiam antes daquele feito? Não há dúvida de que esse caso nos explicaria o segredo do sentimento de culpa e poria fim às nossas dificuldades. E acredito que o faz.
Esse remorso constitui o resultado da ambivalência primordial de sentimentos para com o pai. Seus filhos o odiavam, mas também o amavam. Depois que o ódio foi satisfeito pelo ato de agressão, o amor veio para o primeiro plano, no remorso dos filhos pelo ato. Criou o superego pela identificação com o pai; deu a esse agente o poder paterno, como uma punição pelo ato de agressão que haviam cometido contra aquele, e criou as restrições destinadas a impedir a repetição do ato. *
E, visto que a inclinação à agressividade contra o pai se repetiu nas gerações seguintes, o sentimento de culpa também persistiu, cada vez mais fortalecido por cada parcela de agressividade que era reprimida e transferida para o superego. Ora, penso eu, finalmente podemos apreender duas coisas de modo perfeitamente claro: o papel desempenhado pelo amor na origem da consciência e a fatal inevitabilidade do sentimento de culpa. (…)
Freud, Sigmund, 1930, O Mal-Estar na Civilização, Imago Editora, Rio de Janeiro, 1974, página 94; foto: Catraca Livre
* teoria exposta por Freud no livro Totem e Tabu, de 1913
Rui Iwersen
Freud explica nº 38
A agressividade nº 20
A agressividade como obstáculo à civilização
(…) Que poderoso obstáculo à civilização a agressividade deve ser, se a defesa contra ela pode causar tanta infelicidade quanto a própria agressividade!
A ética “natural”, tal como é chamada, nada tem a oferecer aqui, exceto a satisfação narcísica de se poder pensar que se é melhor do que os outros. Nesse ponto, a ética baseada na religião introduz suas promessas de uma vida melhor depois da morte.
Enquanto, porém, a virtude não for recompensada aqui na Terra, a ética, imagino eu, pregará em vão. Acho também bastante certo que, nesse sentido, uma mudança real nas relações dos seres humanos com a propriedade seria de muito mais ajuda do que quaisquer ordens éticas (…)
Freud, Sigmund, 1930, O Mal-Estar na Civilização, Imago Editora, Rio de Janeiro, 1974, página 106; foto: Só Escola
Rui Iwersen
Freud explica nº 37
A agressividade nº 19
O sentimento de culpa como expressão do medo da autoridade externa
(…) O medo desse agente crítico [o superego] (medo que está no fundo de todo relacionamento), a necessidade de punição, constitui uma manifestação instintiva por parte do ego, que se tornou masoquista sob a influência de um superego sádico; é, por assim dizer, uma parcela do instinto voltado para a destruição interna presente no ego, empregado para formar uma ligação erótica com o superego. Não devemos falar de consciência até que um superego se ache demonstravelmente presente.
Quanto ao sentimento de culpa, temos que admitir que existe antes do superego e, portanto, antes da consciência também. Nessa ocasião, ele é expressão imediata do medo da autoridade externa, um reconhecimento da tensão existente entre o ego e essa autoridade. É o derivado direto do conflito entre a necessidade do amor da autoridade e o impulso no sentido da satisfação instintiva, cuja inibição produz a inclinação para a agressão. (…)
Freud, Sigmund, 1930, O Mal-Estar na Civilização, Imago Editora, Rio de Janeiro, 1974, página 99; foto: TelaVita
Rui Iwersen
Dia Mundial da Saúde Mental 2020
O Dia Mundial da Saúde Mental deste ano (10 de outubro) é celebrado em um momento em que nossas vidas diárias foram significativamente alteradas como consequência da pandemia de COVID-19. Os últimos meses trouxeram muitos desafios: para os profissionais de saúde, que prestam seus serviços em circunstâncias difíceis e vão trabalhar com medo de levar a COVID-19 para casa; aos alunos, que tiveram que se adaptar às aulas à distância, com pouco contato com professores e colegas e preocupados com o futuro; aos trabalhadores, cujos meios de subsistência estão ameaçados; ao grande número de pessoas presas na pobreza ou em ambientes humanitários frágeis com muito pouca proteção contra a COVID-19; e para pessoas com condições de saúde mental, muitas das quais estão ainda mais isoladas socialmente do que antes. Sem falar em como lidar a dor de perder um ente querido, às vezes sem poder se despedir.
As consequências econômicas da pandemia já estão sendo sentidas em todos os lugares, à medida que as empresas demitem funcionários na tentativa de salvar os negócios ou são forçadas a fechar totalmente.
Com base em emergências anteriores, espera-se que as necessidades de saúde mental e apoio psicossocial aumentem significativamente nos próximos meses e anos. Investir em programas nacionais e internacionais de saúde mental, que há anos não recebem recursos, é mais importante do que nunca.
Por isso, a campanha do Dia Mundial da Saúde Mental deste ano tem como objetivo aumentar os investimentos em favor da saúde mental.
Fonte: Organização Panamericana de Saúde (OPAS) e Organização Mundial de Saúde (OMS); foto: Revista Saúde
Matéria enviada pelo colaborador Jorge Fernando Schneider
Freud explica nº 36
A agressividade nº 18
A agressividade da autoridade e a renúncia instintiva na formação da consciência
(…) as más intenções são igualadas às más ações e daí surgem sentimento de culpa e necessidade de punição. A agressividade da consciência continua a agressividade da autoridade.
Até aqui, sem dúvida, as coisas são claras; mas onde é que isso deixa lugar para a influência reforçadora do infortúnio e para a extraordinária severidade da consciência nas pessoas melhores e mais dóceis? Já explicamos essas particularidades da consciência, mas provavelmente ainda temos a impressão de que essas explicações não atingem o fundo da questão e deixam ainda inexplicado um resíduo.
Aqui, por fim, surge uma ideia que pertence inteiramente à psicanálise, sendo estranha ao modo comum de pensar das pessoas. Essa ideia é de um tipo que nos capacita a compreender por que o tema geral estava fadado a nos parecer confuso e obscuro, pois nos diz que, de início, a consciência (ou, de modo mais correto, a ansiedade que depois se torna consciência) é, na verdade, a causa da renúncia instintiva, mas que, posteriormente, o relacionamento se inverte.
Toda renúncia ao instinto torna-se agora uma fonte dinâmica de consciência, e cada nova renúncia aumenta a severidade e a intolerância desta última. (…)
Freud, Sigmund, 1930, O Mal-Estar na Civilização, Imago Editora, Rio de Janeiro, 1974, página 90; foto: VilaMulher
Rui Iwersen
Freud explica nº 35
A agressividade nº 17
Medo da autoridade externa e medo do superego
(…) Percebemos agora em que relação a renúncia ao instinto se acha com o sentimento de culpa. Originalmente, a renúncia ao instinto constituía o resultado do medo de uma autoridade externa: renunciava-se às próprias satisfações para não se perder o amor da autoridade. Se se efetuava essa renúncia, ficava-se, por assim dizer, quite com a autoridade e nenhum sentimento de culpa permaneceria.
Quanto ao medo do superego, porém, o caso é diferente. Aqui, a renúncia instintiva não basta, pois o desejo persiste e não pode ser escondido do superego. Assim, a despeito da renúncia efetuada, ocorre um sentimento de culpa. Isso representa uma grande desvantagem econômica na construção de um superego ou, como podemos dizer, na formação de uma consciência.
Aqui, a renúncia instintiva não possui mais um efeito completamente liberador; a continência virtuosa não é mais recompensada com a certeza do amor. Uma ameaça de infelicidade externa – perda de amor e castigo por parte da autoridade externa – foi permutada por uma permanente infelicidade interna, pela tensão do sentimento de culpa. (…)
Freud, Sigmund, 1930, O Mal-Estar na Civilização, Imago Editora, Rio de Janeiro, 1974, página 89; foto: drogariasantoremedio
Rui Iwersen
Freud explica nº 34
A agressividade nº 16
Agressividade e sentimento de culpa
(…) Conhecemos, assim, duas origens do sentimento de culpa: uma que surge do medo de uma autoridade, e outra, posterior, que surge do medo do superego.
A primeira insiste numa renuncia às satisfações instintivas; a segunda, ao mesmo tempo em que faz isso, exige punição, de uma vez que a continuação dos desejos proibidos não pode ser escondida do superego. Aprendemos também o modo como a severidade do superego – as exigências da consciência – deve ser entendida. Trata-se simplesmente de uma continuação da severidade da autoridade externa, à qual sucedeu e que, em parte, substituiu.
Percebemos agora em que relação a renúncia ao instinto se acha com o sentimento de culpa. Originalmente, a renúncia ao instinto constituía o resultado do medo de uma autoridade externa: renunciava-se às próprias satisfações para não se perder o amor da autoridade. Se se efetuava essa renúncia, ficava-se, por assim dizer, quite com a autoridade e nenhum sentimento de culpa permaneceria.
Quanto ao medo do superego, porém, o caso é diferente. Aqui, a renúncia instintiva não basta, pois o desejo persiste e não pode ser escondido do superego. Assim, a despeito da renúncia efetuada, ocorre um sentimento de culpa. (…)
Freud, Sigmund, 1930, O Mal-Estar na Civilização, Imago Editora, Rio de Janeiro; 1974, página 89; foto: trabalhoparaescola
Rui Iwersen
Freud explica nº 33
A agressividade nº 15
Superego e civilização
(…) A tensão entre o severo superego e o ego, que a ele se acha sujeito, é por nós chamada de sentimento de culpa; expressa-se como uma necessidade de punição.
A civilização, portanto, consegue dominar o perigoso desejo de agressão do indivíduo, enfraquecendo-o, desarmando-o e estabelecendo no seu interior um agente para cuidar dele, como uma guarnição numa cidade conquistada. (…)
Freud, Sigmund, 1930, O Mal-Estar na Civilização, Imago Editora, Rio de Janeiro; 1974, páginas 84 e 85; foto: pt.org.br
Rui Iwersen
Freud explica nº 32
A agressividade nº 14
Ego e superego
(…) Outra questão nos interessa mais de perto. Quais os meios que a civilização utiliza para inibir a agressividade que se lhe opõe, torná-la inócua ou, talvez, livrar-se dela?
Já nos familiarizamos com alguns desses métodos, mas ainda não com aquele que parece ser o mais importante. Podemos estudá-lo na história do desenvolvimento do indivíduo. O que acontece neste para tornar inofensivo seu desejo de agressão?
Algo notável, que jamais teríamos adivinhado e que, não obstante, é bastante óbvio. Sua agressividade é introjetada, internalizada; ela é, na realidade, enviada de volta para o lugar de onde proveio, isto é, dirigida no sentido de seu próprio ego. Aí, é assumida por uma parte do ego, que se coloca contra o resto do ego, como superego, e que então, sob a forma de ‘consciência’, está pronta para por em ação contra o ego a mesma agressividade rude que o ego teria gostado de satisfazer sobre outros indivíduos, a ele estranhos. (…)
Freud, Sigmund; 1930, O Mal-Estar na Civilização, Imago Editora, Rio de Janeiro, 1974, página 84; foto: Paraná Portal
Rui Iwersen
Freud explica nº 31
A agressividade nº 13
O significado da evolução da civilização
(…) Porque isso [a unidade da humanidade] tem que acontecer, não sabemos; o trabalho de Eros é precisamente este. Essas reuniões de homens devem estar libidinalmente ligadas umas às outras. A necessidade, as vantagens do trabalho em comum, por si sós, não as manterão unidas. Mas o natural instinto agressivo do homem, a hostilidade de cada um contra todos e a de todos contra cada um, se opõe a esse programa da civilização. Esse instinto agressivo é o derivado e o principal representante do instinto de morte, que descobrimos lado a lado de Eros e que com este divide o domínio do mundo.
Agora, penso eu, o significado da evolução da civilização não mais nos é obscuro. Ele deve representar a luta entre Eros e a Morte, entre o instinto de vida e o instinto de destruição, tal como ela se elabora na espécie humana. Nessa luta consiste essencialmente toda a vida, e, portanto, a evolução da civilização pode ser simplesmente descrita como a luta da espécie humana pela vida.
E é essa batalha de gigantes que nossas babás tentam apaziguar com sua cantiga de ninar sobre o Céu.
Freud, Sigmund, 1930, O Mal-Estar na Civilização, Imago Editora, Rio de Janeiro, 1974, página 83; foto: Jornal de Jundiaí
Rui Iwersen
Freud explica nº 30
A agressividade nº 12
A existência em sociedade
(…) Não é possível, dentro dos limites de um levantamento sucinto, examinar adequadamente a significação do trabalho para a economia da libido. Nenhuma outra técnica para a conduta da vida prende o indivíduo tão firmemente à realidade quanto a ênfase concedida ao trabalho, pois este, pelo menos, fornece-lhe um lugar seguro numa parte da realidade, na comunidade humana.
A possibilidade que esta técnica oferece de deslocar uma grande quantidade de componentes libidinais, sejam eles narcísicos, agressivos ou mesmo eróticos, para o trabalho profissional, e para os relacionamentos humanos a ele vinculados, empresta-lhe um valor que de maneira alguma está em segundo plano quanto ao de que goza como algo indispensável à preservação e justificação da existência em sociedade. (…)
Freud, Sigmund, 1930, O Mal-Estar na Civilização, Imago Editora, Rio de Janeiro; 1974, página 37, nota de rodapé; foto: Portal G37
Rui Iwersen
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